Da Bravo pro blog de Rafael, pro meu blog

Eu mostrava as belezas, a forca, a qualidade de vida, o desenvolvimento, o poder economico, a pujanca cultural do Brasil (sim o Brasil eh um deslumbre de cultura... eu to numa terra que so tem $, a cultura que eles tem aqui eh comprada... e posta na parede...).
Mas hoje eu tava passando pelo blog de Rafael e ele tinha posto uma artigo da Bravo: uma revista que eu descobri quase que por acaso uns anos atras, e que se tornou um vicio pra mim e pra Rafael... sempre liamos a Bravo e depois isso nos rendia conversas fantasticas... horas e horas de assunto...
Enfim ahi vai o artigo:
Por Gerald Thomas
“Quer dizer que tem cobras e elefantes nas ruas onde você mora?”. Os meus parentes que não emigraram para cá sempre me sacaneavam. “Não, no Leblon não tem animal algum, exceto animais iguais a vocês!”, eu respondia. “E mais bem-informados!”, para dar mais raiva ainda. O emigrante, o assimilado tem lá seus problemas. Mas o apaixonado, assim como eu, tem mais problemas ainda.
A minha fissura em mostrar, exibir, desfilar o Brasil para gente que não conhece este “continente” de dicotomias ou dodecafonias fenomenais e monumentais vem desde pequeno. É uma coisa antropológica, antropofágica e mesmo autofágica, já que, muitas vezes, não me levava a lugar algum. Ou melhor, me levava sim, ao ridículo de uma lágrima da frustração ou aquele lugar-comum a que chamamos de “aquilo que o inglês quer ver”.
No meu caso era literal. Me lembro de estar sentado, ainda criança na frente de parentes que nunca vieram para cá, como a tia em Londres, Erica Burton; ou na Alemanha, Marly Sievers; ou em Nova York, o tio vendedor de peles na rua 29, Peter Kent. Eu mostrava fotos mal tiradas da avenida Atlântica tentando provar que o Rio era uma cidade “moderna” e que não vivíamos numa selva. Ou fotos de São Paulo, tentando comparar essa metrópole com Chicago, sei lá. Eu era uma criança. Do que eu estava falando, meu deus? O que eu estava tentando provar?
Décadas depois, me vi sentado em Paris, na frente de Samuel Beckett, tentando traduzir uma letra de Caetano Veloso, ou descrevendo o movimento da poesia concreta, Haroldo de Campos... E sempre, para o meu espanto, ele parecia não se interessar. Ninguém jamais se interessava. Era como a mídia internacional: só se interessava quando o assunto era tortura (e eu trabalhava na Anistia Internacional), ou matança de índio, ou chacinas, ou miséria em favela. “Qual é o problema dessa gente, meu deus?”, eu pensava, enquanto uma gengiva mastigava a outra, chegando ao sangramento. Será que ninguém enxerga os dez Brasis? São dez? São mil? Para a imprensa estrangeira, só existia um: o Brasil pobre. E isso me irritava. Apesar de pobre sim, este país fenomenal fez a revolução modernista que só quatro países fizeram: os Estados Unidos (em sincronia com a verdadeira e prática revolução industrial), a Alemanha (Bauhaus, a República de Weimar e aproveitando a reconstrução dos escombros deixados pela Segunda Guerra), Rússia e o Brasil. A França continua um país barroco. Espanha, por mais Gaudi, Buñuel e Picasso que gerassem, continua um país barroco. Inglaterra, o berço da Revolução Industrial e dos Beatles, dos Stones e dos Sex Pistols, é um país conservador e barroco, e não dá espaço nem aos semiólogos. Não tiveram a Semana de 22, não têm uma arquitetura organicamente moderna.
A Europa ejetou Duchamp, Ernst e tantos outros. Se temos um Niemeyer, é porque houve um Corbusier, que tem mais importância aqui do que na França. A USP fala mais em Sartre do que a Universidade de Frankfurt (“existem filósofos na França?”, me perguntou um jornalista alemão numa coletiva). E é esse o Brasil que eu tanto adoro.
Sendo de vários lugares e não sendo de lugar nenhum, dá nisso. Sou brasileiro! Tenho de ser capaz de dizer para os meus pares que isto aqui não é o terceiro mundo! Esse negócio de terceiro mundo sempre me incomodou. Até que um dia, lá pelos 15 ou 16 anos, já morando em Londres, assumi que o Brasil não era outra coisa. Afinal, o Brasil era mesmo Glauber Rocha. O Brasil era mesmo uma “experiência”, o Tropicalismo, a marginália, ou seja, um país experimental por excelência, e não devia ficar pedindo desculpas por isso.
Parei de pedir desculpas e passei a mostrar o outro lado. As favelas que subi com Hélio Oiticica (a Mangueira), os desdentados, os pés-no-chão. Aí me toquei que o povo começou a se interessar. Claro. Miséria é sempre um ótimo atrativo. É sempre uma ótima tradução para os países sociodemocráticos europeus, ou os Estados Unidos. “Isso não está acontecendo aqui: estamos indo muito bem!”, como se a vida, a alma, a sofisticação de um povo se resumisse à quantidade de Mercedes Benz circulando pela rua, ou de Mini Coopers guardados na garagem.
Sim, eu podia ser o encenador de peças inéditas de Samuel Beckett em Nova York no início dos anos 80, mas jamais o teria sido se a minha formação não tivesse passado pela peneira de Ivan Serpa, Hélio Oiticica e Ziraldo. Ou melhor, como esses três viam Duchamp, Steinberg e Kafka, ou Sartre e Frank Lloyd Wright, me entendem? Pois essa salada eclética somente o Brasil proporciona. E por quê?
Porque entre Mangueiras, Portelas, Salgueiros e um racismo não assumido, os nordestinos maltratados, como se fossem os palestinos sem-terra lutando por uma dignidade que não lhes é dada pelos donos dos Limusines estacionando na porta dos restaurantes de luxo, e essa troca de tiro entre facções de um Comando Vermelho ou um Terceiro Comando ou um comando abstrato — quem sabe, a própria polícia —, este país é um enorme problema. Um problema sem soluções. Mas como Duchamp já dizia: “Odeio soluções, adoro problemas”.
Talvez seja essa a razão da minha paixão e o meu desespero em tentar mostrá-la através dos anos, viajando com a Companhia de Ópera Seca, estagiando em sei lá quantos lugares, tentando traduzir justamente essa mélange que não vem a ser nada além daquilo que é o mais puro espelho deste país: o Febeapa de Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, o homem que não sai de moda. E por quê? Porque esta loucura que é o Brasil não sai de moda.
LEIA EM BRAVO! DE JUNHO DE 2005 (NAS BANCAS) OS ENSAIOS DE GILBERTO MENDES, MOACYR SCLIAR, JOSÉ PADILHA E MANOEL CARLOS
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