>

The Mysterious Flame of Queen Loana


Estou lendo um livro:

Ele acaba de acordar e conversa com o medico. Lhe contam que sofreu um acidente e que tinha perdido parte da memoria: Lembrava de tudo o que tinha lido na vida, mas havia perdido todas as memorias pessoais. Sabia o ano da Queda da Bastilha ou do bombardeio de Hiroshima, sabia a data de nascimento deVan Gogh eos jnomes dos deuses do Olimpo, mas nao se lembrava das filhas e netas, de qual comida gostava, do perfume de sua esposa ou do rosto da primeira mulher que amou.


Volta para a casa que havia sido do avo, no campo, para tentar reviver o passado e recuperar a memoria. Comeca a explorar o material que encontra: Livros, revistas, vinis, fotografias, cartas, diarios, panfletos... Material acumulado por quatro geracoes.
Nesta parte do livro vai se reconstruindo a historia do cotidiano das pessoas comuns na Italia antes e durante a Segunda Guerra Mundial.
Vai revendo os jornais, lendo seus quadrinhos de menino, ouvindo os vinis do avo, folheando os albums da famila. Construindo sua memoria pessoal com o papel que vai encontrando pelos quartos mofados e sotaos empoeirados da casa.

Vou lhes confessar uma coisa: o livro eh chato. Quero dizer: o texto em si eh lento, detalhado demais e me enfada. Por que eu continuo lendo? Porque apesar da lentidao e enfado do texto em si, o argumento me pegou: Um homem que contsroi uma memoria de papel. Que coleciona lembrancas e conhecimentos que deveria ter acumulado com com experiencias, como uma pessoa normal, mas que se ve na situacao de ter que fazer isso tudo lendo.

Eu me indentifiquei? SIM!!!!!!! Quando crianca, vivendo em uma ilha tropical, com praias belissimas e natureza deslumbrante, para mim paisagens e lugares que eram absolutamente normais seriam fantasticos e maravilhosos para a maioria das pessoas no planeta . Mas por ourtro lado eu carecia de experiencia com um mundo que me era completamente alheio numa cidadezinha de 500 mil habitantes do cantinho mais pobre e atrasado do Brasil: O mundo que me faltava era o Mundo, com M maiusculo.

Eu tinha sede de saber como as pessoas em Nova Iorque e em Marraquesh iam para o trabalho, o que comiam, como falavam. Para mim, ate mesmo Sao Paulo e Rio eram ligares distantes. Eu conheci Couscous, Coissant, Sushi sem comer. Limousine, Cabriole, Tuktuk sem neles andar. Kimono, Sari, Turbante sem vesti-los. Iglu, skyscraper, Sotao sem visita-los. Conheci todas essas coisas sem conhece-las. Construi minha memoria com papel.

Ia lendo os livros, folheando as revistas, vendo os programas na TV e acumulando uma memoria de ouvir falar. Aos 15 anos falava tres linguas. Aos 20, quatro. Aos 25 cinco. As aulas da escola para mim eram uma necessidade. Eu nao era um CDF por gostar de estudar. Eu odeio estudar. Eu era CDF por pura necessidade. Necessiade de romper meu isolamento com aquilo que me atraia: o Mundo, sua diversidade, suas cores que eu nao podia ver, seus cheiros que eu nao podia cheirar, tuas texturas que eu nao podia tocar, suas sensacoes que eu nao podia experimentar.

Sao Luis era ao mesmo tempo meu paraiso e minha prisao. As pessoas que me cercaram na infancia e adolescencia nunca entenderam meu relacionamento com esse lugar. Eu falava mal de Sao Luis o tempo todo. E as pessoa sme diziam que eu tinha que amar minha terra, meu lugar de origem. Mas eu amava! Eu amava e amo minha terra. O que eu odiava era o isolamento, o fato de que o resto do mundo estava tao longinquio.

Eu era um frustrado que tentava apaziguar sua angustia lendo.

Yambo, o personagem do livro, eh um homem velho que faz uma memoria de papel para coisas que ele ja viveu. Eu, um menino novo, fazia minha memoria de papel para coisas que eu desejava viver e nao vivia.


Por isso eu continuo lendo um livro chato.



|


<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com